segunda-feira, 15 de agosto de 2011

A favor da eutanásia porque viver é um direito, não uma obrigação



Theresa Marie Schindler-Schiavo ficou quase 15 anos em estado vegetativo até seu marido conseguir que retirassem a alimentação dela para deixá-la morrerCerca de 3.000 pessoas por dia cometem suicídio no mundo, num total de pouco mais de 1 milhão por ano. Você e eu podemos lamentar ou relevar este dado. Talvez, soframos se algum destes suicidas for um ente querido ou amigo e podemos discordar das razões que os levaram a tal ato extremo. Mas de uma coisa ninguém poderá discordar: os suicidas estavam em seu pleno direito de tirar sua própria vida. Seja por razões físicas ou emocionais, estas pessoas conseguiram concretizar seu último grande ato de vontade própria e se livraram do sofrimento. Mas e quando as pessoas não podem se matar? E quando nós, pessoas saudáveis, somos o entrave que prolonga o sofrimento alheio por toda a eternidade de uma vida miserável?
Estamos numa sociedade com leis sabidamente alicerçada sobre preceitos religiosos, por mais que estes tenham se perdido no tempo. Um resquício disto está no fato de que a nossa vida não nos pertence. É como se ela fosse um presente de
alguém que não aceita devolução antes da hora. Mas e quando este presente estragou? E quando estamos falando de um enfermo com a Síndrome de Locked-in, que se comunica com o mundo exterior apenas com o piscar de olhos (ou nem isso)? A despeito de recente pesquisa que mostra que uma parte dos portadores desta síndrome se consideram felizes, como fica a fração infeliz aprisionada dentro do próprio corpo? E quanto aos doentes terminais, principalmente por causa de câncer ou doenças degenerativas?
Chantal Sébire conseguiu um suicídio assistido mesmo depois do governo francês lhe negar o direito. Sua enfermidade lhe traria sofrimentos terríveis até sua morteA mesma medicina que salva vidas, hoje, condena um enfermo a uma agonizante e tediosa espera pela morte nos leitos dos hospitais. Entra em debate a questão da eutanásia, ou seja, abreviar a vida de alguém de maneira controlada, assistida, tranquila. Temos os instrumentos, mas estamos rodeados por um pensamento atrasado que impede que médicos cumpram a vontade de pacientes e ponham fim à vida destes. Felizmente, alguns países seculares evoluíram e permitem o suicídio assistido.
O “Exit – ADMD” (Association pour le Droit de Mourir dans la Dignité, ou Associação pelo Direito de Morrer com Dignidade), funciona na Suiça desde 1982 e vem praticando o suicídio assistido de enfermos terminais ou em grande sofrimento psicológico. Segundo as pesquisas, 87% dos suíços aprovam a decisão. Em 2005, o Exit recebeu 202 pedidos de suicídio assistido e 54 foram executados. “Para muitos doentes, saber que serão ajudados se quiserem mesmo partir os acalma, e eles adiam a decisão”, diz o doutor Sobel. “A possibilidade legal de um suicídio assistido não aumentou a demanda, muito ao contrário — e esse é um dos principais benefícios de uma legislação liberal”.
Um caso bem tocante, que virou filme, foi o de Ramón Sampedro contado no filme “Mar Adentro”. Lá vemos a história de um espanhol que ficou tetraplégico após um mergulho e viveu 29 anos após o acidente sendo cuidado por seus familiares e lutando pelo direito de “morrer dignamente”, como ele mesmo dizia. Seu caso foi levado aos tribunais em 1993 para conseguir a legalidade da eutanásia, mas o pedido foi negado. Na carta de Sampedro destinada aos juízes, em 13 de novembro de 1996, desdobra-se uma ideia que aparece repetidas vezes no filme: “viver é um direito, não uma obrigação”. Assim, Ramón coloca em cheque a regulação da vida e da morte pelo Estado e pela Igreja e acusa “a hipocrisia do Estado laico diante da moral religiosa”.
Silenciosamente, no Brasil, médicos praticam a eutanásiaHá ainda um ponto muito interessante que Sampedro deixa bem claro em seus diálogos tensos defendendo o direito de tirar a própria vida. Sempre que lhe dizem que há outros na mesma condição felizes e querendo viver, ele deixa bem claro: “Não posso falar por eles, tanto quanto eles não podem falar por mim”, ou seja, o desejo pela vida é individual. Se você quer manter a sua vida, façamos de tudo para ajuda-lo. Se você quer tirar, também deveríamos ajuda-lo – o que não ocorre numa sociedade veladamente religiosa.
Eu vou ainda além da eutanásia que precise ser justificada por alguma enfermidade. A morte deveria ser um direito e todos que a desejassem deveriam poder morrer de forma digna. Se não os ajudarmos, continuaremos a ver pessoas se enforcando, se jogando de prédios e toda a forma de suicídio chocante. Claro, não devemos criar um abatedouro de seres humanos. Há pessoas que podem se curar de um grande sofrimento psicológico com o devido apoio. Mas todos, sem exceção, deveriam ter acesso à morte digna, sem sofrimento.
A Suprema Corte da Índia negou um pedido para pôr fim à vida de Aruna Shanbaug, uma enfermeira que está em estado vegetativo há mais de 35 anos.Se há algo de humano na eutanásia é justamente o alívio do sofrimento. Se há algo de desumano e abjeto aos que são contra isso é justamente no fato destes se acharem donos da vida alheia e impedir o próximo de exercer sua liberdade enquanto ser vivo. Podemos lamentar, mas nunca impedir que o outro faça o que quiser em questões de foro íntimo. Não estou dizendo que não devemos tentar convencer um suicida a sair do parapeito da janela. Mas não temos o direito de prolongar o sofrimento alheio, ainda mais quando ninguém sairá ganhando no final.
Afinal, o que conseguem de bom os parentes de um doente terminal que agoniza incessantemente até o último suspiro? Por que alguns se sujeitam a viver em uma infinita agonia à espera de que uma pessoa querida saia de um estado vegetativo? Melhor desaguar de vez as lágrimas de luto e seguir a vida do que se deixar ser atormentado pela preocupação com um quase-morto mantido quente com ajuda de aparelhos. Aliás, quanto egoísmo nosso trancafiar um ser em seu corpo apenas para que NÓS não soframos, não? Prolongamos o suplício de um indefeso para nos livrar de passar pela experiência de perder alguém querido. Recado para estes incautos: a morte chega para todos, cedo ou tarde. Aceitá-la traz conforto, não desespero.
Para encerrar, fica um texto de Rámon Sampedro com suas últimas palavras proferidas instantes antes de beber o veneno que traria sua morte. Serve, quem sabe, para reflexão dos que chegaram ao fim desta longa (porém breve, perto da profundida do assunto) dissertação sobre um tema tão humanista quanto o direito à própria vida (grifos meus)
Ramón Sampedro, tetraplégico que lutou por 28 anos até, finalmente, conseguir se livrar do sofrimento de viver
“Caros juízes, autoridades políticas e religiosas. O que é para vocês a dignidade? Seja qual for a resposta das vossas consciências, saibam que para mim isto não é viver dignamente. Eu queria, ao menos, morrer dignamente.
Hoje, cansado da preguiça institucional, vejo-me obrigado a fazê-lo às escondidas, como um criminoso. Saiba que o processo que conduzirá à minha morte, foi cuidadosamente dividido em pequenas ações que não constituem um delito em si mesmas, e foram executadas por diferentes mãos amigas. Apesar disso, se o Estado insistir em punir os meus ajudantes, eu aconselho que lhes sejam cortadas as mãos porque foi essa a sua única contribuição.
A cabeça, quer dizer, a consciência foi provida por mim. Como podem ver, ao meu lado tenho um copo de água contendo uma dose de cianeto de potássio. Quando a beber, deixarei de existir, renunciando ao meu bem mais precioso, o meu corpo. Considero que viver é um direito, não uma obrigação, como foi no meu caso.
Forçado a suportar esta penosa situação durante 28 anos, 4 meses e alguns dias. Passado este tempo, faço um balanço do caminho percorrido e não me dei conta de ter havido felicidade. Só o tempo que passou, contra a minha vontade, durante a maior parte da minha vida, será a partir de agora o meu aliado. Só o tempo e a evolução das consciências, decidirão algum dia, se o meu pedido era razoável ou não.”







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