Este texto tenta mais uma vez demonstrar o significado formal, dentro do escopo científico, do termo “teoria” e desconstruir o mito de que teorias científicas são, por serem “apenas teorias”, desligadas de significado prático ou real, constituindo apenas uma opinião de
pesquisadores. Um exemplo recente de confirmação empírica de um corpo teórico, que comprova as previsões de uma teoria pouco inteligível – a da Relatividade Geral, de Einstein – é fornecido.O objetivo principal, a pedra-chave da filosofia da ciência, é a análise da natureza das teorias científicas e seu papel no crescimento do conhecimento científico [1]. Desta forma, podemos inferir que todo o conhecimento científico gira em torno das teorias, pois nelas reside o último estágio de conhecimento científico, que agrega os modelos produzidos por meio de leis observáveis (ou dedutíveis) da natureza e as evidências que suportam estas observações.
De teorias, podemos partir para previsões. Os modelos teóricos nos permitem prever comportamento dos fenômenos que descrevem. Isto é de extrema importância tanto dentro da investigação científica – na verificação da exatidão do modelo – quanto da aplicação científica, na engenharia, por exemplo. As teorias são ferramentais fundamentais da síntese de novas tecnologias – modelos da Teoria de Circuitos elétricos nos permitem construir equipamentos eletrônicos e projetar sistemas inteiros de geração, transmissão e distribuição de energia; modelos da Teoria da Evolução nos permitem reconstruir a história da vida no planeta e também entender a dinâmica de epidemias e doenças, sintonizando finamente a Medicina; modelos da Teoria da Relatividade Geral nos permitem projetar a frequência dos osciladores de satélites que são utilizados em sistemas de posicionamento global (GPS), uma vez que estes funcionam em potencial gravitacional diferente dos receptores aqui na Terra.
Podemos demonstrar que o termo cotidiano “teoria” é diametralmente oposto ao termo rigorosamente usado na ciência: um exemplo é a descrição matemática mais completa da gravidade, conhecida pelo nome de Teoria da Relatividade Geral.
Einstein sugeriu que a gravidade é um efeito da distorção do espaço-tempo, causado por corpos maciços, como planetas, estrelas e outros corpos celestes. Este modelo teórico pôde ser adequadamente descrito, por meio de equações que modelavam o tempo e o espaço como entidades não independentes, como acontecia na física newtoniana. Este modelo previa mais precisamente uma série de anomalias que eram observadas no universo, que não eram adequadamente descritas pelo modelo de Newton, e simplificavam uma série de resultados, tornando-a uma descrição muito mais uniforme que a Teoria da Gravitação que a precedeu.
Dentre as previsões que a unificação entre espaço e tempo sob um único continuum fazem para explicar a gravidade, existe uma chamada de Efeito Geodético: próximo a um corpo maciço no espaço, onde o espaço-tempo é curvado (segundo o modelo relativístico, isto significa presença de um potencial gravitacional), um determinado corpo de teste em movimento sofre uma alteração em sua rotação (por exemplo, a Lua quando imergida no campo gravitacional da Terra).
Este efeito é exclusivamente previsto pela Relatividade Geral, pois, segundo a física clássica, o eixo de rotação de um corpo deveria se manter estável, sempre apontando para a mesma direção, independente do ponto que ocupe no espaço, baseando-se unicamente no princípio de conservação do momento angular.
A Relatividade Geral prevê uma anomalia para este fenômeno – ocupando pontos diferentes no espaço-tempo, sob diferentes curvaturas, o vetor do momento angular é “arrastado” se comparado a uma referência (como a luz de uma estrela distante). É como se o vetor do momento angular fosse transposto para um sistema de coordenadas curvo e caminhasse ao longo dele – como o modelo relativístico propõe.
Imagine um vetor num plano. Imagine que você carrega este vetor para outro ponto do plano, sem mudá-lo de direção. Ambos os vetores serão paralelos. Agora imagine que este plano não seja um plano, mas sim uma superfície bidimensional curva. Ao arrastar um vetor de um lugar para o outro, mesmo que você não mude sua direção em relação às geodésicas deste “plano curvo”, em relação a referenciais distantes este vetor terá mudado de direção. A curvatura aqui no plano representa a presença de gravidade e a mudança de direção em relação ao referencial distante é o Efeito Geodético.
Como a presença deste efeito, teórico, pode ser testada? De certa forma, de maneira “simples”: colocando-se em órbita, em torno da Terra, um giroscópio (uma esfera maciça quase perfeita girando a determinada velocidade, sem influências externas que não sejam as gravitacionais). Ao caminhar ao longo do espaço, a angulação entre uma referência (a luz de uma estrela distante) e o eixo de rotação não teriam porquê de mudar, segundo a física clássica. No entanto, o efeito previsto pela Teoria da Relatividade Geral (Geodético) deveria influenciar, de maneira quantitativamente previsível pelas equações da Teoria, a direção de rotação.
A sonda Gravity Probe B, lançada em 2004, testou esta (e uma outra, que não citarei) previsão fundamental da Teoria da Relatividade Geral (TRG). Ela continha exatamente isto – giroscópios orbitando a Terra.
Segundo o artigo publicado na Physical Review Letters, em junho deste ano [2], as previsões da Teoria de precessões geodéticas, para o aparato experimental em questão, eram de -6606,1 mas/ano (mas = miliarcosegundo, uma submúltiplo de uma medida de ângulo – o segundo angular. 1 miliarcosegundo = 4,848 x 10-9 radianos = 2,7777 x 10-7 graus). Isto significa a mudança angular anual que o corpo deveria sofrer.
Qual foi o resultado obtido experimentalmente para esta que é “somente uma teoria”? Bem, o resultado foi com exatidão melhor que 0,5%: -6601,8 ± 18,3 mas/ano. A figura abaixo mostra, com uma estrela preta, a previsão da teoria, e com a elipse em preto o resultado experimental obtido, incluindo as margens de erro (por isto é uma elipse, e não um ponto). O eixo horizontal representa o outro efeito, de arrasto de referencial, que atua perpendicular ao Efeito Geodético, também previsto pela TRG.
Por isto falar que uma teoria científica é “só uma teoria” é no mínimo ingênuo e denuncia falta de conhecimento de causa – teorias são corpos sólidos, previsíveis, e que, acima de tudo, possuem comprovação experimental reprodutível para suas alegações falseáveis.
Autor: Pedro Almeida (BuleVoador)
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Referências:
[1] Suppe, Frederick – “The Structure of Scientific Theories”, 1977. ISBN 0-252-00634-8
[2] C. W. F. Everitt, et al. – “Gravity Probe B: Final Results of a Space Experiment to Test General Relativity”, 2011.
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Everitt, C., DeBra, D., Parkinson, B., Turneaure, J., Conklin, J., Heifetz, M., Keiser, G., Silbergleit, A., Holmes, T., Kolodziejczak, J., Al-Meshari, M., Mester, J., Muhlfelder, B., Solomonik, V., Stahl, K., Worden, P., Bencze, W., Buchman, S., Clarke, B., Al-Jadaan, A., Al-Jibreen, H., Li, J., Lipa, J., Lockhart, J., Al-Suwaidan, B., Taber, M., & Wang, S. (2011). Gravity Probe B: Final Results of a Space Experiment to Test General Relativity Physical Review Letters, 106 (22) DOI: 10.1103/PhysRevLett.106.221101
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